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FIOCRUZ, CIÊNCIA E INOVAÇÃO EM SAÚDE

13/03/2021 Sonia Marinho Saúde

O papel e a relevância da Fundação Oswaldo Cruz durante a desafiadora pandemia do século 21

Havia decorrido pouco mais de quatro meses da declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o estado de emergência mundial em saúde, causada pela pandemia de covid-19, quando o Ministério da Saúde trouxe uma excelente notícia para todos os brasileiros: um acordo seria firmado com a empresa biofarmacêutica britânica AstraZeneca, para a compra de lotes e transferência de tecnologia de uma nova vacina, em desenvolvimento na Universidade de Oxford. O Ministério informou que o acordo seria executado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do seu Instituto Bio-Manguinhos. 

Na ocasião, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, enfatizou que esta missão seria realizada com o zelo habitual pelos técnicos da Fundação e, sobretudo, graças à experiência de 120 anos do Instituto Bio-Manguinhos, na área de criação e fabricação de vacinas. 

Para quem não sabe, a Fiocruz é a legítima sucessora do primeiro Instituto Soroterápico Federal, criado em 25 de maio de 1900, na Fazenda de Manguinhos, Rio de Janeiro, que, na época, era a capital do Brasil. O Instituto foi criado no bojo do movimento pasteuriano, que influenciou a saúde pública mundial, no fim do século 19. A capital e outras cidades portuárias, como Santos, encontravam-se assoladas por uma epidemia de peste bubônica, necessitando, com urgência, de soro antipestoso para salvar vidas.

 

INSTITUTO VACÍNICO MUNICIPAL VERSUS INSTITUTO SOROTERÁPICO FEDERAL DE MANGUINHOS

Desde 1894, o barão Pedro Affonso era o diretor do Instituto Vacínico do Município do Rio de Janeiro, onde era produzida a vacina contra a varíola, por isso foi escolhido como o primeiro diretor do Instituto Soroterápico de Manguinhos. O título de nobreza lhe foi conferido pelo imperador Pedro II, em 1889, como reconhecimento por seu trabalho inovador no combate à varíola no Brasil, ao trazer a mais nova técnica de produção da vacina do tipo “animal”, feita a partir de vitelos de vaca, diferente da preconizada pioneiro dr. Edward Jenner, do tipo “humanizada”, passada de braço-a-braço. 

Para ajudar o médico pioneiro britânico na missão de dirigir o Instituto Soroterápico de Manguinhos, foi contratado o médico sanitarista Oswaldo Cruz, que havia se destacado nos seus estudos de bacteriologia no Instituto Pasteur, em Paris, no fim do século 19. A exemplo do Instituto Butantan de São Paulo, o trabalho do Instituto de Manguinhos foi fundamental para a erradicação da epidemia de diversas doenças infecciosas no Brasil.

 

OSWALDO CRUZ: AS BRIGADAS SANITÁRIAS E A REVOLTA DA VACINA

A carreira do médico sanitarista Oswaldo Cruz se confunde com a saúde pública brasileira. Em 1903, um ano depois de designado diretor do Instituto de Manguinhos, foi nomeado para a Direção-Geral de Saúde Pública (DGSP), órgão subordinado ao Ministério da Justiça. No início do século 20, não existia ainda o Ministério da Saúde, e toda a saúde pública era organizada pela pasta da Justiça, que respondia pela legislação sanitária internacional.

Acumulando os cargos de diretor do Instituto de Manguinhos e da DGSP, Oswaldo Cruz começou a implantar sua política mais ambiciosa: erradicar a febre amarela em três anos, além de debelar, de uma vez por todas, duas outras doenças infecciosas causadoras de repetidas epidemias – a peste e a varíola –, prejudiciais à exportação de café pelos portos brasileiros.

Para tanto, Oswaldo Cruz elaborou a proposta de nova legislação sanitária, acabando com a dualidade de poderes entre o Governo Federal e a prefeitura do Rio de Janeiro. Em 1904, aprovada a nova lei, a DGSP assume o comando de todas as ações de saúde pública na capital: serviços de higiene defensiva, polícia sanitária, profilaxia das doenças contagiosas e todas as atividades de higiene domiciliar.

Com os novos poderes conferidos pela legislação, foram lançadas as campanhas contra a febre amarela, a peste bubônica e a varíola. Para acabar a primeira, foram utilizadas as Brigadas Sanitárias, uma campanha de dedetização das casas para a eliminação do mosquito Aedes aegypti, agente transmissor da febre amarela, como comprovado em pesquisas realizadas pelo médico cubano Juan Carlos Finlay. Para a segunda, havia o soro antipestoso produzido por Manguinhos, mas para eliminar a doença seria necessário caçar os ratos, transmissores da doença, e melhorar a higiene dos domicílios cariocas. Já, para a terceira, o novo Código Sanitário criou a obrigatoriedade da vacina antivariólica, pois era a única que já possuía uma vacina produzida no Brasil.

Os mata-mosquitos e os caçadores de ratos foram incorporados pacificamente à paisagem carioca, mas a população reagiu à vacina antivariólica. Assim, entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, explodiu uma revolta popular contra a vacinação obrigatória, combatida com violência pelo Governo, onde morreram 30 revoltosos e cerca de 900 pessoas ficaram feridas. No fim da revolta, foi suspensa a obrigatoriedade da vacinação.

 

Apesar das adversidades, as Brigadas Sanitárias conseguiram erradicar o mosquito da febre amarela, no Rio de Janeiro, e a mortalidade passou de mil casos, em 1902, para quase zero, já em 1904. A aniquilação da peste também surtiu efeito com as novas medidas de higiene. Entretanto, com a revogação da obrigatoriedade da vacina antivariólica, um novo surto voltaria a assombrar a capital, em 1908.

 

INSTITUTO OSWALDO CRUZ E A CONSOLIDAÇÃO DAS AÇÕES DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 

O sucesso da campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro – provando a teoria de Finlay, de transmissão pelo mosquito – trouxe prestígio internacional ao Instituto Soroterápico de Manguinhos, cujos pesquisadores foram convidados a participar da Exposição de Higiene do 14º Congresso Internacional de Higiene e Demografia, realizada em Berlin, em 1907. Os trabalhos de pesquisa receberam a premiação máxima: uma medalha de ouro entregue pela imperatriz da Alemanha, Augusta Vitória de Schleswig-Holstein. Após o retorno dos pesquisadores, o presidente da República Afonso Pena transformou o Instituto Soroterápico de Manguinhos no Instituto de Patologia Experimental, em seguida, rebatizado com o nome de Instituto Oswaldo Cruz (IOC)*.

Em 1909, Carlos Chagas, dos mais eminentes pesquisadores de Manguinhos, descreveu o ciclo completo da tripanosomíase americana, endêmica no sertão de Minas Gerais, causadora de insuficiência cardíaca, evoluindo lentamente para o óbito. Em homenagem a Oswaldo Cruz, o protozoário, agente causador da doença, foi denominado trypanossoma cruzi. Este inseto triatomíneo (o barbeiro) se aloja nas casas de taipa (feitas de barro e madeira) das áreas rurais. Posteriormente, esta nova enfermidade foi chamada “doença de Chagas”.

Em 1917, Oswaldo Cruz se aposentou por problemas de saúde, e Carlos Chagas o substituiu à frente do IOC e da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) – transformada, em 1920, em Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) –, quando, então, reorganizou os serviços sanitários no Brasil.

 

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, CIÊNCIA A SERVIÇO DA VIDA

O desenvolvimento da pesquisa e inovação em saúde no antigo Instituto Oswaldo Cruz e a expansão de suas atribuições, ao longo do tempo, levou à integração de várias instituições e órgãos, voltados à saúde pública. As transformações e incorporações mais importantes são apresentadas resumidamente no quadro abaixo. 

Na América Latina, Bio-Manguinhos é o maior centro produtor de vacinas e kits e reagentes para diagnóstico laboratorial de doenças infecto-parasitárias. Far-Manguinhos, por outro lado, tem uma capacidade instalada de 1,62 bilhão de unidades farmacêuticas, produzindo a maior parte dos medicamentos essenciais para o SUS.

Com a emergência da pandemia, a Fiocruz passou a coordenar, no Brasil, o ensaio clínico Solidariedade (Solidarity) da OMS, cujo objetivo é investigar a eficácia de quatro tratamentos para a covid-19, com a coordenação do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) e com o fornecimento de parte dos medicamentos de Far-Manguinhos.

 

A SEQUÊNCIA DOS TEXTOS SOBRE ESSA TEMÁTICA: 

1 - Graças ao SUS, brasileiros recebem cuidados integrais e gratuitos em saúde

2 - Há 120 anos, o Instituto Butantan serve à saúde pública, no Brasil e no mundo

 

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* BENCHIMOL, Jaime Larry. Manguinhos do Sonho à Vida: a ciência na Belle Époque. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1990. 

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Sonia Marinho

Doutora em Bioética e Saúde Coletiva pela ENSP/FIOCRUZ, tem mestrado em Nutrição Humana (UFRJ), especialização em Atenção Primária em Saúde (Hospital Charité, Berlim, Alemanha) e graduação em Nutrição (UERJ). Trabalha com projetos de Atenção Primária em Saúde na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tendo sido nutricionista sanitarista da Médicos Sem Fronteiras, em Moçambique e Brasil.