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LÍNGUA DE HERANÇA, PLURILINGUISMO E MULTICULTURALISMO NA ADOLESCÊNCIA

20/02/2021 Fernanda Krüger POLH/PLH

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Arte: C. Krüger.

O que entra em jogo nessa fase

O que acontece quando a criança entra na adolescência, adquire mais independência em relação aos pais, deixa de frequentar espaços de promoção da língua de herança e passa a praticá-la apenas no ambiente familiar? De que forma o jovem passa a valorizar, selecionar e aprimorar as línguas a serem faladas? Algum idioma fica defasado em relação ao outro?

A análise que trago aqui é um convite à reflexão e discussão sobre o assunto. Não é resultado de nenhuma pesquisa ou tese acadêmica, mas, sim, mero fruto de quase duas décadas de atenta observação e estudos independentes acerca do sistema de aquisição, expansão e manutenção de línguas de herança, durante a infância e a adolescência. Para isso, parto da própria experiência como mãe de crianças nascidas e educadas em um ambiente multicultural e plurilíngue e divido algumas breves situações marcantes vividas pela minha família. 

Na minha casa, sempre foram falados dois idiomas: português e alemão. Nesta atmosfera bilíngue, as crianças cresceram se dirigindo a mim, sempre em português e ao pai, sempre em alemão. Entre elas, independentemente do país onde vivemos, a língua de comunicação, espontaneamente adotada, foi o português.

Na escola, a trajetória se deu de forma mais heterogênea ainda. Ingressaram na pré-escola exclusivamente em língua portuguesa, continuaram em escola bilíngue português-alemão e, a partir de determinado momento, passaram a estudar em escolas nas quais a língua de instrução era o inglês. 

Em casa, seguimos bilíngues nos nossos diálogos, mas, inevitavelmente, um terceiro idioma – o inglês – foi encontrando seu espaço. Passou a ser a língua de comunicação das crianças com a maioria dos amigos e suas respectivas famílias e, também, a língua de aquisição de conhecimento em diferentes áreas, por intermédio da escola. 

Durante muito tempo, o impacto disto não foi perceptível na dinâmica linguística familiar. Os idiomas falados continuavam bem delimitados, sendo acionados de acordo com o local, a situação e os interlocutores. O que mudou em um determinado momento.

Com a adolescência, chegou uma maior independência para estudar e para se locomover. A necessidade de apoio na realização das tarefas escolares e da companhia dos pais em viagens e durante as atividades com os amigos foi reduzida consideravelmente, e abriram-se portas para um vocabulário que foi sendo adquirido exclusivamente fora de casa. 

O que me permitiu delimitar, com clareza, o peso que cada idioma ia conquistando na vida das minhas filhas foi o seu ingresso no time de vôlei da escola. Me lembro de estar no intervalo de um evento sobre língua de herança, em outra cidade, quando recebi a ligação das filhas gêmeas, narrando uma partida decisiva contra o time de um outro colégio. Foi uma torre de Babel aquela conversa. Fluência absoluta em português até o momento de especificar as jogadas em quadra – quando precisaram usar um vocabulário que, até então, conheciam e dominavam apenas em língua inglesa. 

Aos poucos, situações similares foram se repetindo com frequência, em outras esferas, interferindo na aquisição e no desenvolvimento da linguagem relacionada às diferentes disciplinas escolares e aos interesses inerentes à adolescência. Consequentemente, presenciei o inevitável – a transferência do planejamento linguístico familiar para as mãos de três jovens, as quais, naturalmente, elegeram o inglês para a comunicação entre si.

Estariam, então, as línguas de herança fadadas a um vocabulário limitado adquirido e nutrido somente até o final da infância? Estaria o conhecimento cultural vinculado aos idiomas reduzido ao reconhecimento de personagens folclóricos, à identificação da flora, fauna e culinária típicas, ao cantarolar de cantigas tradicionais e à leitura de livros dedicados ao público infantil exclusivamente?

Talvez sim, mas não necessariamente. O que pude observar, ao longo de todo este percurso, foi uma flutuação no domínio de uma língua e outra, tanto na escrita quanto na oralidade. À procura de meios para oferecer recursos para equilibrar as habilidades e competências idiomáticas e o conhecimento cultural, li e estudei muito, testei várias estratégias, participei de diferentes atividades educacionais e, também, desenvolvi projetos originais para outras crianças e famílias. Tive dúvidas, mas, também, cheguei a conclusões. Nestas linhas acima, trago um relato muito sucinto de tudo o que esteve e ainda continua em jogo. Pretendo estender, aprofundar e continuar a disseminar a minha experiência.

O domínio de vários idiomas tem um enorme status social, político e acadêmico, mas, para mim, isto nunca teve relevância. Ao enveredar por esse caminho, o objetivo legítimo foi simplesmente conceder às minhas filhas a plena liberdade de comunicação e interpretação da minha história de vida, sem tradutores. 

Missão cumprida!

 

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Fernanda Krüger

Idealizadora e fundadora do br+ Foco no lado positivo do Brasil!© e da iniciativa pioneira BRmais e o Português como Língua de Herança no Ensino Globalizado©. É também cofundadora do programa de leitura em língua portuguesa Encontros de Leitura/ Portugiesischer Vorlesetreff, na Biblioteca Infantojuvenil de Frankfurt e criadora do selo editorial Papagaios pelo Mundo®. Especialista em LIJ pela UCAM.