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O PLANETA É BLUE COMO O JEANS

13/08/2019 Eveline de Abreu Dicas e Curiosidades

O que diria Mlle. Chanel ao ver o nome de sua maison atrelado a uma coleção que incluísse o jeans? Logo ela, capaz de fazer o céu vir ao chão, caso uma de suas manequins teimasse em usar blue-jeans, mesmo à paisana. 

Pois foi isso o que aconteceu. No meio de bijuterias-balangandãs, tailleurs, boinas, pérolas, chemisiers, pedrarias e correntes douradas em profusão – suas marcas registradas – o jeans, bastardo e solene, subiu à passarela de braços dados com Karl Lagerfeld, responsável pela perpetuação do estilo de mademoiselle, a partir de 1983, e falecido em 19 de fevereiro de 2019. Para a coleção Outono/1991, por exemplo, ele ousou e refez, em denim, o clássico tailleur, usado e propagado incansavelmente por Coco Chanel, desde os Loucos Anos 20.

Isso, no entanto, não é nem o máximo, nem a última na história movimentada do jeans. 

James Dean, em Juventude Transviada, filme de 1955, encarnando um jovem rebelde sem causaque veste jeans. (Fonte: Commons Wikimedia/ File: James_Dean_in Rebel _Wtthout _a _Cause).

Cerca de um século antes de James Dean exportar rebeldia para o mundo no filme Juventude Transviada, na década de 1950, um cara de nome Levi Strauss não tinha ideia do que estava fazendo, ao fabricar uma calça em tecido resistente para ser usada por cowboys, mineiros e desbravadores, na desenfreada corrida em busca de ouro no Oeste dos Estados Unidos. 

PIÈCE DE RÉSISTENCE - Nunca se viu nada mais universal e duradouro – em todos os sentidos – democrático e versátil na história do vestuário do que o jeans. Camaleônico, sem jamais perder o caráter, ele já foi tudo: terno, saia, vestido e macacão de operário. Conciliador das lutas de classe, ele é usado de A a Z, sem deixar de atender às interpretações/customizações de quem o usa.

Peça coringa entre todas as cores e texturas, o jeans aceita um sem-número de enfeites, com a naturalidade de quem foi feito para cada um em especial. Ótimo companheiro dos momentos de crise, seja de estilo ou grana, ele já teve boca-de-sino, já foi justo, tacheado, pintado, desbotado, bordado e rasgado. Genuíno herói da resistência que, nas mil e uma voltas que o mundo dá, sempre arranja uma maneira de retornar ao modelo original de 1853: five pockets, reto e justo. 

PASSADO RECENTE - Da rebeldia à revolução, de Elvis Presley a Bob Dylan, passaram-se dez anos. Na década de 1960, os cabelos cresceram, e a máxima ‘Paz e Amor’, do Flower Power, uniformizou moças e rapazes em calças jeans surradas e unissex.

Na década de 1970, não havia quem não cantasse “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada, que você pode usar do jeito que quiser. Só não usa quem não quer...”, o melodioso jingle da U.S Top, uma bem sucedida marca brasileira ao lado de tantas outras como Lee, Levis’s e Fiorucci. 

“O jeans surgiu quando o corpo sem artifícios encontrou o tecido sem referência”, disse Claudine Elsykman ao ver a exposição Metamosfoses em Jeans, no Museu de Arte contemporânea de Nova York, em 1974.

No começo dos anos 1990, sopram os ares dos 50. A rebeldia cede lugar ao sex-appeal de calças coladas, acompanhadas de camiseta branca, jaqueta de couro negro e, para os mais ortodoxos, um topetinho gomalinado.

O jeans, peça de resistência atemporal, para todos e todas as ocasiões (Fonte: Commons Wikimedia/ File: Front_bild_TBU).

ENTRE OS MELHORES DO MUNDO – Só em 2016, o Brasil produziu cerca de 25 milhões de metros por mês. Empresas como a Cedro Cachoeira, Santista e Vicunha têm investindo maciçamente em produção e exportado para Austrália, Portugal, Espanha, Japão, Emirados Árabes e Estados Unidos – os maiores compradores. Sem falar da originalidade dos estilistas brasileiros e na modelagem de dar água na boca. Eu, mesma, nunca encontrei, fora do Brasil, calça jeans cujo caimento seja tão perfeito, que até parece feito sob medida.

Dentre as marcas renomadas, figuram Amapô, Martins.tom, Amaro, Cantão, Trama Jeans e Feranda. Com a bem-vinda, e oportuna, consciência do desenvolvimento sustentável, pois o fabrico do jeans consome muita água, polui e agride o meio ambiente, algumas marcas, como a Eco Jeans, Forum, Colcci, Renner e Consciência Jeans, têm respeitado os modos de produção com um menor nível de impacto ambiental.

Vez por outra, tem alguém alardeando que o jeans está em extinção. Puro boato: entra década sai década, queimam-se bandeiras e sutiãs e lá está ele, impávido, além do bem e da maledicência.

Originalmente despretensioso e oposto ao chique, ele se instalou como quem nada quer no mundo das grifes – estão aí Karl Lagerfeld, Saint Laurent e Hermès que não me deixam mentir. Seguramente, Levi-Strauss não fazia mesmo ideia do que tinha inventado. 

E haja eternidade!

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Eveline de Abreu

Publicitária e redatora. Descobriu a vocação para ensinar quando dirigia a assessoria de comunicação de um órgão público e precisou treinar e capacitar estudantes de jornalismo. Desde 2007 na Europa, adaptou esta experiência exitosa à versão digital e fundou a Incubadora de Escritores – serviço on-line de análise e parecer, apoio no desenvolvimento de textos, capacitação e revisão de conteúdo. A nostalgia do Brasil a levou a cozinhar e anotar receitas, na tentativa de compensar pela boca a saudade que lhe invadia o coração. O resultado tem sido a culinária natal, reinventada com produtos locais, e textos de dar água na boca.