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SELO UNICEF BRASIL CHEGA À SUA 8ª EDIÇÃO

27/02/2021 Paula Botelho Terceiro Setor e Cidadania

Avanços na educação, proteção e saúde de crianças e adolescentes brasileiros mais uma vez reconhecidos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância

O Brasil é um país de imensas riquezas, mas a desigualdade prevalece. No meio de tamanha disparidade, o brasileiro encontra esperança no trabalho solidário que se volta para o outro. E que edifica. E não pode passar despercebido. Por isto, deixo, neste texto, o registro da minha alegria de escrever a respeito do Selo UNICEF Brasil.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) foi criado em 1946, pela Organização das Nações Unidas (ONU). Seu objetivo é a promoção dos direitos e da qualidade de vida de crianças e adolescentes de diversos países, submetidas às mais inesperadas e adversas situações. No Brasil, o UNICEF está presente desde 1950, uma vez que grande parte das crianças e adolescentes brasileiros continua excluída das políticas públicas, em particular, as vítimas de violência.

Ilustração: Breno Loeser. Fonte: Reprodução UNICEF Brasil.

Mundo afora, uma em cada três pessoas não tem acesso à água potável. Tantos bebem água filtrada de sofisticadas geladeiras, e ainda se incomodam quando têm que trocar o filtro da geladeira, sem compreender que o acesso à água – e a água limpa! – é condição elementar de dignidade humana.

Apesar das desigualdades, o trabalho no Brasil se volta para a minimização ou sonhada supressão destas condições, e tem se aprimorado sobremaneira. O Fundo UNICEF está atento aos trabalhos que se destacam e promove iniciativas para valorizar os progressos de várias regiões. Uma destas iniciativas é o Selo UNICEF, que visa a reconhecer os avanços já feitos e se concentrar em regiões que precisam de maiores cuidados e recursos. O Brasil tem sido incluído nesta iniciativa, recebendo o Selo UNICEF ao longo dos anos. 

O Selo UNICEF Brasil está em sua 8a edição, e a duração é de quatro anos, tempo que coincide com a duração dos mandatos das gestões municipais. Nesta última edição, compreendida entre 2017 e 2020, destacam-se ações desenvolvidas nos municípios participantes, e as prioridades do UNICEF para o Brasil, a “adesão espontânea de 1.924 municípios de 18 estados da Amazônia Legal brasileira e do Semiárido, que se comprometeram a priorizar crianças e adolescentes nas políticas públicas, com metas e indicadores claros. Ao longo desses quatro anos, o UNICEF acompanhou os municípios, capacitou gestores públicos e forneceu apoio técnico para a formulação e fortalecimento de políticas públicas, a partir de uma metodologia baseada nas prioridades do UNICEF para o Brasil: alcançar crianças e adolescentes excluídos, melhorar a qualidade das políticas públicas existentes para crianças e adolescentes, prevenir e enfrentar as formas extremas de violência contra meninas e meninos e promover a participação da comunidade, especialmente de adolescentes”.

Receber o Selo UNICEF garante ao Brasil o compromisso com as regiões mais suscetíveis. No caso, a Amazônia e os territórios do Semiárido são aqueles que concentram a maior quantidade de crianças e adolescentes em situação de exclusão e vulnerabilidade social. E o trabalho se dirige para estas mais de 22 milhões de pessoas distribuídas em 2,13 mil municípios atingidos pela seca, pela dificuldade de acesso, pela falta de recursos básicos de saúde, educação, alimentação e condições sanitárias básicas. Ainda há muitos que não dispõem de sistemas de proteção contra a violência ou sequer de água potável, em pleno século 21.

Com a inclusão do Brasil no Selo UNICEF, os municípios contemplados  assumem o compromisso  de diagnosticar carências e vulnerabilidade sociais da população até 18 anos, cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), elaborar planos, executar intervenções para mitigar os problemas e monitorar os benefícios, com ampla discussão em fóruns comunitários. O que se constata é que municípios participantes têm apresentado diferenças substanciais, comparativamente aos municípios não integrantes da iniciativa.

 

CRITÉRIOS PARA ATRIBUIÇÃO DO SELO

Quando se diz que o Brasil continua a receber o Selo, é necessário indicar a existência de normas e procedimentos rigorosos para adesão e participação. Nesta última edição, foram levados em conta municípios dos estados da Região do Semiárido brasileiro (Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio  Grande do Norte e Sergipe), os localizados na área da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins). Tais municípios foram definidos “a partir de proximidade geográfica e similaridade socioeconômica” com aqueles descritos nos itens anteriores. Há uma série de especificações para a inscrição dos municípios e os devidos procedimentos para validá-las, como documentação e detalhes. 

Importante acrescentar que o município que não tem o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e o Conselho Tutelar implantados e em funcionamento não pode se inscrever para o recebimento do prêmio. Este requisito é de importância determinante, pois estimula a organização da sociedade civil para que a sua criação e funcionamento ocorra a contento. 

Há também precisos critérios de avaliação dos municípios inscritos, por meio de indicadores quantitativos e qualitativos, como a “Avaliação das Ações Estratégicas de Políticas Públicas e de Participação Social”, onde os municípios são classificados por práticas comprovadas, com rigor metodológico.  

Ser destinatário do Selo Brasil é, assim, resultado de um procedimento criterioso, cuja participação e eventual premiação leva em consideração o comprometimento dos municípios inscritos, ao longo do tempo, na direção da materialização de políticas públicas para as populações-alvo. Maiores detalhes do regulamento, verificar o site do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde da Bahia (COSEMS/BA).  

Entre os de maior vulnerabilidade social do Semiárido e da Amazônia, regiões fulcrais do Selo UNICEF Brasil, estão incluídos crianças e adolescentes migrantes e refugiados da Venezuela. Cerca de 4 mil venezuelanos da etnia waraos já cruzaram a fronteira e muitos não falam espanhol ou português. Em Manaus, profissionais indígenas da comunidade participam de sua educação, da garantia de sua saúde e de outras necessidades primárias. 

Há espaços mantidos pelo UNICEF onde a língua e a cultura da comunidade indígena venezuelana são integradas ao trabalho, enquanto se ensina sobre o Brasil, país de acolhida. Estes espaços, denominados “Súper Panas”, também incrementam extraordinários projetos, incluindo programas de rádio, para “(...) disseminar mensagens educativas, de apoio à saúde mental, de proteção contra a violência e de prevenção do coronavírus, e foram doados dois mil aparelhos de rádio para as famílias em Roraima, Amazonas e Pará”.

Desde de dezembro de 2020, está gratuitamente à disposição a plataforma U-Report Uniendo Voces, que possibilita não apenas a discussão de temas que lhes dizem respeito como a conexão com outros pares, considerando a diáspora venezuelana pelo mundo: “mais de cinco milhões de pessoas deixaram a Venezuela desde o início das crises social e econômica no país vizinho, e mais de 260 mil pediram refúgio ou residência no Brasil”. A grande maioria deste contingente dispõe de celulares internet, mas não a totalidade, e a plataforma busca resolver esta questão.  

A cada hora, mais de uma criança ou adolescente é vítima de homicídio no Brasil. Na maior parte dos casos, os atingidos são “meninos negros, pobres, moradores das periferias dos grandes centros urbanos, muitos dos quais fora da escola há pelo menos seis meses antes de serem assassinados”. Brasileiros brancos e escolarizados, que desfrutam de farta alimentação, habitações confortáveis e sem privações materiais não pensam no que isto significa, menos ainda na violência que representa o trabalho infantil no país. Como informa o relatório do UNICEF, com base nos dados do IBGE de 2016 (os últimos disponíveis), “2,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam em situação de trabalho infantil no Brasil. Destes, 1,7 milhão também se ocupavam com afazeres domésticos além do estudo ou trabalho. O problema afeta, em especial, meninas e meninos negros. Do total em trabalho infantil no Brasil em 2016, 64,1% eram negros”. 

Foto: Panjwani. Fonte: Reprodução UNICEF Brasil.

De acordo com o Censo Escolar de 2018, é desolador constatar que, no país, 49% das escolas não têm acesso à rede pública de esgoto, 39% delas não dispõem de estruturas básicas para lavagem das mãos e 26% não contam com abastecimento público de água. Por outro lado, estes mesmos dados nos permitem dimensionar a gravidade, a extensão e a urgência do que precisamos mudar. Os filhos daqueles matriculados em escolas bem equipadas muitas vezes ignoram o que a precariedade e a ausência do que é básico representa. Compreender isto mudaria muito. Ou tudo.

Quando aprendi sobre estes centros e seus programas, fiquei pensando em quanto a gente pode fazer nesta vida, mas nem sempre faz. Pensei em mim, em nós. No quanto eu e cada um pode oferecer. Pensei nas vidas confortáveis que tantos de nós levamos, com nossos braços ainda inertes para o que ultrapassa o nosso círculo familiar. 

Razões de sobra para ficarmos intensamente desolados com o que se passa no Brasil. Tantos de nossos recursos naturais ameaçados ou devastados. Em números oficiais, quase 250 mil vítimas fatais em decorrência da mais grave crise sanitária, sem falar em tantas outras desventuras, como bem define Maria Clara Bingemer, “(...) a barca brasileira flutua à deriva, sem que se consiga avistar com alguma nitidez onde está, o que faz, ou mesmo quem é o timoneiro”. 

Temos, sim, razões para nos orgulhar do país tão querido. O que alegra, por certo, é a confiança do povo brasileiro na construção solidária. E, aqui, repito Bingemer, que, no mesmo texto, nos lembra das centenas de voluntários presentes nas comunidades mais carentes, dos artistas e de outros profissionais tentando levantar a bandeira da esperança. Como ela, eu digo, convicta, que “o melhor de meu país é o povo que nele vive”. E que “Gente que tem que lutar pela vida com uma das mãos e reparte o pouco que tem com a outra. Gente que se arrisca para que o outro tenha vida. Gente que é capaz ainda de cantar e se alegrar mesmo em meio a tanta tristeza”.

Que o trabalho do UNICEF nos inspire a vontade de construir um mundo melhor. Que seus projetos continuem a trazer mudança social para as populações atendidas e ofereçam uma injeção de bom ânimo para um bom combate, contrariando a inércia que habita em tantos. Esta é a hora boa e bem-vinda!

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Paula Botelho

Doutora em Language, Literacy and Culture (Universidade de Maryland), mestre em Educação (Universidade Federal de Minas Gerais), tradutora certificada (Centro de Ensino Brasillis), reside nos Estados Unidos há quase 15 anos. Seus livros e textos discutem o bilinguismo, migração, português como língua de herança e a visão da imprensa americana sobre a cultura brasileira. Atualmente, trabalha com escrita e tradução, ensino de português para estrangeiros, como em oficinas de cultura brasileira e literatura para crianças brasileiro-americanas.